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domingo, 23 de março de 2014

Artigo Jornal Tribuna em 23.03.2014

O Brasil ainda é racista

 Várias datas comemorativas surgem a partir de tragédias. É o que ocorre com a data de 21 de março, Dia Internacional de Combate ao Racismo, uma homenagem à luta de homens e mulheres da África do Sul contra o sistema apartheid. Em 1960, na mesma data, mais de 20 mil sul-africanos saíram às ruas para protestar contra a Lei do Passe, que obrigava os indivíduos não-brancos a andarem com uma carteira de identificação onde constava cor, etnia, profissão e situação na Receita Federal, uma clara afronta a liberdade e ao direito de ir e vir. Como retaliação as forças de segurança foram mobilizadas para atacar os manifestantes e covardemente mataram 69 pessoas, entre mulheres e crianças, deixando cerca de 180 feridos. O episódio ficou conhecido como o “Massacre de Sharpeville”.
Além de recordar o martírio daquelas pessoas, a data propõe uma reflexão sobre nossas posturas pessoais e a efetividade das políticas de combate ao racismo, preconceito, discriminação, xenofobia e demais formas de intolerância.
No nosso cotidiano são registradas inúmeras atitudes racistas que, muitas vezes, são acobertadas ou identificadas como normais. No mercado de trabalho é gritante a diferenciação no acesso ao emprego ou na valorização profissional em razão da cor da pele. Até hoje existem hotéis, restaurantes, clubes e casas de espetáculo que discriminam seus frequentadores pela cor. A diferenciação em entradas de edifícios e elevadores, comum até pouco tempo, agora é crime, mas o nariz torcido é evidente. Nas relações pessoais existem milhares de exemplos de casais que tiveram que enfrentar enormes barreiras de convívio familiar e até dificuldades em oficializar casamentos em razão da cor de um dos cônjuges. No esporte, infelizmente, os insultos dirigidos aos jogadores Tinga e Arouca e ao árbitro Márcio Chagas da Silva, não são exceção. Quem frequenta estádios de futebol e nunca ouviu insultos racistas levante a mão.
Outra forma de racismo que merece especial atenção é o institucional, pois além de impedir o acesso a direitos fundamentais, muitas vezes impõem uma interpretação ou posicionamento legal diferenciado. Quem conhece o sistema policial, judiciário e penitenciário observa a cruel situação de vulnerabilidade que a população negra é submetida. O caso do ator Vinícius Romão é típico.
A implementação de políticas públicas entre as quais a lei que determina a inclusão curricular da História da África, do povo africano, dos afro-brasileiros e a importância do negro em nossa sociedade e a Lei de Cotas recebe forte resistência dos que se dizem sem preconceito.
Diferente do que consta da propaganda oficial e dos discursos puritanos amplamente difundidos, ainda, somos um país racista porque as pessoas são tratadas de modo desigual. Mais do que uma vergonha, esta constatação deve servir de mola propulsora para um enfrentamento real do problema, sem o qual certamente continuaremos longe de atingir o patamar de nação justa, igualitária e que garanta o direito de todos os seus cidadãos.
A mesma indignação que tomou conta de vários brasileiros durante a ampla exposição midiática dos recentes casos de racismo contra pessoas de maior visibilidade deve ser registrada ao ouvir uma piada ou presenciar qualquer situação discriminatória no nosso dia a dia. É extremamente difícil quantificar o sofrimento de quem é humilhado em razão da cor de sua pele, mas certamente a dor do excluído, do sem voz, do sem vez, enfim do anônimo é infinitamente maior do que possa imaginar. E a cumplicidade da omissão talvez seja proporcionalmente tão intensa quanto a ofensa proferida.