Sem bolo nem velas!
Geralmente comemoramos
fatos agradáveis como formaturas, aniversários natalícios, de casamentos, bodas
de forma geral. Este mês a principal comemoração não tem bolo, vela ou festa. O
Brasil recorda os 50 anos de um golpe de Estado que maculou definitivamente sua
história ao derrubar um governo democraticamente eleito.
Como
integrante da geração nascida entre 1964 e 1985 percebo a dificuldade que
muitos possuem para compreender o que realmente motivou a ação militar. Os brasileiros foram acostumados com o discurso
de que o golpe foi para preservar o país e somente agora os professores e
historiadores podem dizer de modo aberto que o Brasil foi vítima de uma reação
conservadora daqueles que não concordavam com as mudanças prometidas pelo
presidente João Goulart, associado ao intervencionismo norte-americano que o
fortalecia na Guerra Fria. Aquele golpe contou com o apoio da burguesia
industrial, de latifundiários, parte considerável da classe média e dos setores
conservadores da Igreja.
O início da
década de 1960 era de intensa luta popular e na ordem do dia estava a reforma
agrária, a reforma urbana e financeira. O movimento dos trabalhadores exigia
liberdade sindical e o direito de greve, bandeiras, aliás, presentes em muitas
manifestações atuais. Não só nosso país, mas toda América Latina, foi vitimado
por golpes e imposição de ditaduras militares que se fortaleciam em nome do "interesse da segurança
nacional" em tempos de crise.
Inegável
também a manobra externa que condicionou o país à dependência política, econômica,
comercial e tecnológica, além da submissão financeira ao FMI. A Campanha
patrocinada pela imprensa foi tão grande que até hoje ouvimos vozes desavisadas
defendendo que “naquele tempo era melhor”.
Até mesmo os que hoje protestam pelas ruas e parlamentos,
muitas vezes sem saber qual bandeira empunham, devem saber que a liberdade de
expressão somente é possível hoje, graças à resistência de centenas de heróis,
muitos anônimos, que enfrentaram o regime e foram submetidos à toda sorte de
humilhações, sevícias, torturas e mortes. Muitos considerados loucos foram
internados em clínicas psiquiátricas, vários jamais conseguiram retomar suas
vidas, após as intermináveis sessões na
Cadeira do Dragão, espécie de cadeira
elétrica onde os presos nus recebiam descargas elétricas, no velho Pau-de-arara
adaptado da época da escravidão, nos Choques Elétricos em órgãos
genitais, nos Espancamentos Diversos, no Soro da Verdade, nos
Afogamentos e na Geladeira.
É evidente que a democracia precisa de aperfeiçoamento
constante. Não estamos no estágio ideal e muitas mudanças, ainda, são
necessárias, mas certamente é preferível uma democracia com problemas que uma
ditadura perfeita. Como relatei no início, ao celebrar o cinquentenário do
Golpe, não temos bolo, nem velas, aliás, as únicas velas são aquelas
depositadas nos túmulos dos mortos ou nos memoriais aos desaparecidos que
sequer conquistaram a possibilidade de um sepultamento digno.