Equívocos da Lei de Licitações
Quando se fala dos avanços da Constituição Federal
de 1988 não podemos esquecer a garantia estampada no artigo 37 de que a administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos consagrados princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em seu item
XXI consta a previsão legal de que ressalvados os casos especificados na
legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante
processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes.
Somente no ano de 1993, referido artigo foi regulamentado e
surgiu a Lei 8.666 conhecida como Lei de Licitações que já sofreu 80 alterações
e possui mais de 500 projetos no Congresso tratando do assunto. Para muitos foi
uma resposta aos escândalos e denúncias de superfaturamento e favorecimentos a
empresas que prestavam serviços ao governo federal e a garantia de que nunca
mais o interesse privado suplantaria o público e o enriquecimento ilícito no
setor seria banido.
Na prática os conchavos continuaram e as exigências apenas do
critério de menor preço para decidir o vencedor do certame possibilita a
entrega de bens e serviços de péssima qualidade. Com o país transformando-se em
verdadeiro canteiro de obras em razão do PAC e outros investimentos públicos,
nos deparamos com situações assombrosas de processos licitatórios que não
contemplam, especialmente na construção civil, indicativos básicos, entre os
quais a experiência em obras semelhantes, estrutura financeira e operacional
das empresas, qualidade das obras e cumprimentos das normas técnicas e de
segurança do trabalho. Um olhar mais atento encontrará verdadeiras aberrações
de engenharia e segurança. Sem contar os materiais de péssima qualidade e a mão
de obra desqualificada utilizados como forma de reduzir custos.
A lei que parecia tão rigorosa está sucumbindo à criatividade
criminosa que desenvolve artimanhas e técnicas para manter a corrupção e favorecimento
de grupos empresarias e políticos.
Muitas empresas entram em concorrências públicas, especialmente na
construção civil, sem o mínimo de condições e ofertam lances tão reduzidos que
depois não conseguem fazer frente ao pagamento dos trabalhadores e aquisição de
equipamentos. Outras já entram prevendo utilizar a possibilidade de aditamentos
de até 50%.
Muitas obras estão paradas ou com ritmo de construção
totalmente descabido, simplesmente porque as empresas quebraram e, em muitos
casos, sequer existem nomes e dados dos proprietários para que respondam,
inclusive na esfera criminal.
Por todo país encontramos empresas famosas, algumas
associadas em grandes conglomerados que vencem licitações bilionárias e utilizam
de expedientes como a terceirização, “quarteirização” e “quinteirização”. Não
assuste, os termos já existem!
No final do ano passado foi aprovado o relatório de uma
Comissão Especial Temporária criada pelo Senado para analisar o tema e que
promete uma mudança total da atual legislação. Mas a polêmica está longe de ser
resolvida e enquanto isso, devemos aprimorar os mecanismos de fiscalização de
todas as etapas nas obras públicas e no fornecimento de material de consumo e
permanente, caso contrário continuaremos pagando por canetas que não escrevem,
carteiras que não suportam o peso dos alunos, uniformes inservíveis e edifícios
que necessitam de reformas mesmo antes de serem inaugurados. Alguns dos
ensinamentos da vida privada devem ser utilizados na vida pública, um deles é o
de que a fugaz satisfação inicial com o preço barato é infinitamente inferir à
duradoura decepção causada por um produto ou serviço de péssima qualidade.