O Brasil ainda é racista
Várias datas comemorativas surgem a partir de tragédias. É o que
ocorre com a data de 21 de março, Dia Internacional de Combate ao
Racismo, uma homenagem à luta de homens e mulheres da África do Sul
contra o sistema apartheid. Em 1960, na mesma data, mais de 20 mil
sul-africanos saíram às ruas para protestar contra a Lei do Passe,
que obrigava os indivíduos não-brancos a andarem com uma carteira
de identificação onde constava cor, etnia, profissão e situação
na Receita Federal, uma clara afronta a liberdade e ao direito de ir
e vir. Como retaliação as forças de segurança foram mobilizadas
para atacar os manifestantes e covardemente mataram 69 pessoas, entre
mulheres e crianças, deixando cerca de 180 feridos. O episódio
ficou conhecido como o “Massacre de Sharpeville”.
Além de recordar o martírio daquelas pessoas, a data propõe uma
reflexão sobre nossas posturas pessoais e a efetividade das
políticas de combate ao racismo, preconceito, discriminação,
xenofobia e demais formas de intolerância.
No nosso cotidiano são registradas inúmeras atitudes racistas que,
muitas vezes, são acobertadas ou identificadas como normais. No
mercado de trabalho é gritante a diferenciação no acesso ao
emprego ou na valorização profissional em razão da cor da pele.
Até hoje existem hotéis, restaurantes, clubes e casas de espetáculo
que discriminam seus frequentadores pela cor. A diferenciação em
entradas de edifícios e elevadores, comum até pouco tempo, agora é
crime, mas o nariz torcido é evidente. Nas relações pessoais
existem milhares de exemplos de casais que tiveram que enfrentar
enormes barreiras de convívio familiar e até dificuldades em
oficializar casamentos em razão da cor de um dos cônjuges. No
esporte, infelizmente, os insultos dirigidos aos jogadores Tinga e
Arouca e ao árbitro Márcio Chagas
da Silva, não são exceção. Quem frequenta estádios de
futebol e nunca ouviu insultos racistas levante a mão.
Outra forma de racismo que merece especial atenção é o
institucional, pois além de impedir o acesso a direitos
fundamentais, muitas vezes impõem uma interpretação ou
posicionamento legal diferenciado. Quem conhece o sistema policial,
judiciário e penitenciário observa a cruel situação de
vulnerabilidade que a população negra é submetida. O caso do ator
Vinícius Romão é típico.
A implementação de políticas públicas entre as quais a lei que
determina a inclusão curricular da História da África, do povo
africano, dos afro-brasileiros e a importância do negro em nossa
sociedade e a Lei de Cotas recebe forte resistência dos que se dizem
sem preconceito.
Diferente do que consta da propaganda oficial e dos discursos
puritanos amplamente difundidos, ainda, somos um país racista porque
as pessoas são tratadas de modo desigual. Mais do que uma vergonha,
esta constatação deve servir de mola propulsora para um
enfrentamento real do problema, sem o qual certamente continuaremos
longe de atingir o patamar de nação justa, igualitária e que
garanta o direito de todos os seus cidadãos.
A mesma indignação que tomou conta de vários brasileiros durante a
ampla exposição midiática dos recentes casos de racismo contra
pessoas de maior visibilidade deve ser registrada ao ouvir uma piada
ou presenciar qualquer situação discriminatória no nosso dia a
dia. É extremamente difícil quantificar o sofrimento de quem é
humilhado em razão da cor de sua pele, mas certamente a dor do
excluído, do sem voz, do sem vez, enfim do anônimo é infinitamente
maior do que possa imaginar. E a cumplicidade da omissão talvez seja
proporcionalmente tão intensa quanto a ofensa proferida.