Nelson Mandela, Lucas Neiva e Edenilson dos Santos
O dia 05 de dezembro de 2013
já entrou para a história e são três motivos para recordá-lo. Pela manhã
daquela quinta-feira conhecemos Lucas Neiva, uma criança de oito anos de idade que
cursava uma escola particular em Guarulhos, onde obtinha ótimas notas, mas teve
sua renovação de matrícula rejeitada em razão do corte de cabelo. Segundo consta, a direção da escola
recomendou que ele abandonasse o estilo “black power”, “cheio e crespo”, por um
mais adequado. Diante da recusa veio a retalhação. No início da tarde, na mesma
cidade, foi localizado o corpo do operário Edenilson Jesus dos Santos, de 24
anos de idade, vítima fatal do desabamento de um prédio em construção. No final
da mesma tarde recebemos a notícia da morte de Nelson Mandela, 95 anos de idade.
Três pessoas, três histórias completamente diferentes, mas qual a ligação?
Nascido na Bahia, Edenilson buscava uma vida melhor na cidade grande. Sem
muitas opções se submetia às questionáveis condições de trabalho que agora
estão sendo denunciadas. Dormia na obra de segunda a sexta-feira e aos finais
de semana ia para a casa da irmã, no bairro Jardim Tranquilidade. Os
nordestinos auxiliaram de modo destacável no progresso da região sudeste,
especialmente do Estado de São Paulo, locomotiva do país, no entanto, continuam
marginalizados, perseguidos e por vezes, não conseguem desfrutar dos estádios,
edifícios, repartições públicas e tudo mais que ajudaram a construir. Em sua
terra a luta é contra a seca, em terras distantes a luta parece mais cruel que
a degradante ausência de água. Lucas conhece pouco da vida, em contato com as
primeiras letras está descobrindo os números, as regras gramaticais e
conhecimentos gerais que são oferecidos pela escola formal. E foi justamente no
colégio que começou a aprender uma lição geralmente reservada para a escola da
vida: As pessoas são preconceituosas. A atitude de sua mãe de denunciar o caso
foi fundamental para que o caso ganhe repercussão e não se some aos milhares
que diariamente ocorrem pelo país e permanece sem a devida resposta. Mandela
dizia que: "a educação é o principal instrumento que alguém pode usar para
mudar o mundo". Ele foi o primeiro da família a frequentar uma escola, aos
sete anos de idade, o episódio Lucas nos faz refletir sobre a educação atual,
até mesmo na rede privada de ensino. Mandela foi modelo em um mundo tão carente
de referências positivas. Enquanto, os produtores de Hollywood projetam na
ficção científica homens com capas, óculos e superpoderes, ele foi um dos
maiores heróis contemporâneos. Sua vida e sua luta servem de referência para
grandes personalidades políticas mundiais. Para Ban Ki-moon, o líder
sul-africano foi “um gigante pela justiça”.
“Muito no mundo inteiro foi influenciado pela sua luta altruísta pela
dignidade, igualdade e liberdade humana. Ele tocou as nossas vidas de uma forma
muito pessoal”, disse o secretário-geral da Organização das Nações Unidas. Para
o Russo Vladimir Putin: “Mandela, tendo passado pelas provações mais difíceis,
estava comprometido até ao fim dos seus dias, com os ideais de humanismo e
justiça”. Dilma Roussef descreveu Mandela como “personalidade maior do século
20”. Em nota a presidenta do Brasil afirma: “Mandela conduziu com paixão e
inteligência um dos mais importantes processos de emancipação do ser humano da
história contemporânea – o fim do Apartheid na África do Sul”. Para o
presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa: “A morte de Nelson
Mandela torna o mundo mais pobre de referências de coragem, dignidade e
obstinação na defesa das causas justas”. O presidente dos Estados Unidos,
Barack Obama, ressaltou: "Eu sou um dos incontáveis que se inspirou na vida de Nelson Mandela. Minha primeira ação política
foi um protesto contra o Apartheid. Estudei suas palavras e seus escritos. O
dia em que ele foi libertado da prisão me deu a percepção do que os seres
humanos podem fazer quando são guiados por suas esperanças, e não por seus
medos". Durante seu depoimento no Julgamento de Rivonia, 20 de abril de
1964, Mandela disse: "Lutei contra a dominação branca e contra a dominação
negra. Defendi o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as
pessoas vivem juntas em harmonia e oportunidades iguais. É um ideal para o qual
espero viver e conseguir realizar. Mas, se for preciso, é um ideal para o qual
estou disposto a morrer". Este
ideal permanece vivo até hoje na África, no Brasil e em todo planeta. Como um grande número de brasileiros,
Edenilson morreu sem ter muitas oportunidades e Lucas está sendo privado da
liberdade de optar pelo seu corte de cabelo. É apenas a primeira de muitas
batalhas que surgirão, ou como diria Mandela: "Depois de escalar uma
grande montanha se descobre que existem muitas outras montanhas para
escalar". Colhamos a oportunidade para uma reflexão sobre o mundo que
temos e o mundo que queremos. Para viver em harmonia nosso povo precisa avançar
não apenas em políticas públicas, mas também em mudança de atitudes e a construção
de um mundo melhor inicia-se com a concretização de sonhos. Mandela tornava
seus sonhos realidade: "Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e
compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos".