Casa própria – Sonho ou pesadelo?
O ser humano é movido por sonhos e
certamente um dos maiores é o da casa própria. São inúmeras as histórias de
pessoas que lutaram grande parte da vida e canalizaram esforços para possuírem
um simples cantinho para chamar de lar. Na
música popular brasileira encontramos pérolas que retrataram o tema. Em “Gente
Humilde”, Vinícius de Moraes e Chico Buarque de Holanda falam dos moradores do
subúrbio com suas casas simples e com cadeiras na calçada. Já Gilson e Joran
com uma visão menos urbana, sonharam com um lugar de mato verde, para plantar e
para colher onde uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela
possibilitariam assistir o lindo espetáculo do nascimento do sol. Depois foi
Netinho de Paula e o Negritude Júnior que descreveram a alegria dos encontros
na Cohab City para um pagode entre amigos. Em 1995 Cidinho e Doca compuseram o
hit “Rap da Felicidade” onde pediam pouco, apenas a felicidade de andar tranquilamente
na favela onde nasceram. O refrão terminava falando sobre a consciência de que
o pobre tem seu lugar. Mas qual é o
lugar do pobre? No morro, na favela, na invasão ou um local digno?
Vivemos uma época em que o país experimenta uma
prosperidade econômica nunca antes imaginada. As pessoas das classes sociais
menos privilegiadas contam com acesso a bens e serviços que até pouco tempo
eram considerados de luxo, mas quando falamos em moradia os esforços até agora
despendidos parecem tímidos. O governo estadual através do CDHU e o governo federal
com o Programa Minha Casa Minha Vida, fazem parcerias com os municípios para a
construção de casas populares para famílias de baixa renda. Ocorre que, da
identificação da área até a construção e entrega das chaves a burocracia é tão
grande que o número de necessitados já cresceu de modo incontrolável. A cultura
do “ganhar uma casa da Cohab” está impregnada
em muitas pessoas e o direito à
moradia parece sofrer sérias distorções. Em muitos casos existem mais malandros
do que necessitados. Pessoas já contempladas comercializam as moradias
recebidas e inscrevem-se em outros programas para ganhar novas unidades. Vários
recorrem à intervenção política ou se submetem a nebulosas transações. Já o
cidadão que aguarda os trâmites e regras fica com a sensação de que foi
enganado ou preterido.
Ao
constatarmos o enorme volume de invasões de áreas públicas e privadas devemos
fazer uma séria reflexão sobre o que estamos fazendo para a resolução do
problema. Se por um lado às áreas institucionais não podem ser invadidas,
também devem ser dotadas dos equipamentos sociais necessários para cumprir sua
finalidade. Chegou a hora de enfrentar o tema com coragem e vigor e para isso
os administradores públicos possuem ferramentas previstas no Estatuto das
Cidades. A função social da propriedade precisa ser alcançada, pois a
especulação imobiliária faz com que proprietários de grandes áreas de terra
deixem seus terrenos abandonados na espera do poder público levar asfalto,
água, esgoto, iluminação e serviços públicos que vão valorizá-las. Há também os
imóveis construídos e que ficam vazios sem qualquer forma de transação, levando
risco à saúde e integridade da coletividade.
Para evitar
essas situações temos instrumentos entre os quais o parcelamento, edificação ou
utilização compulsória onde o poder público exige destinação à área indicada
dentro de determinado prazo. Não observada a notificação será possível a cobrança
de IPTU Progressivo no tempo durante até cinco anos seguidos. Persistindo a
inércia do proprietário a etapa seguinte é da desapropriação com pagamento em
título da dívida pública.
Em cidades onde o preço da terra é tão alto
como é o caso de Ribeirão Preto, é necessário estipular as ZEIS (Zonas
Especiais de Interesse Social) que são delimitadas para a urbanização e a regularização
de ocupações por população de baixa renda. Temos também a possibilidade de
utilizar o Direito de Preferência (Preempção), as Operações Urbanas
Consorciadas, a Outorga Onerosa do Direito de Construir, a Transferência do
Direito de Construir. Enquanto isso não ocorrer, será cada vez maior a
distância social entre as favelas, moradias precárias e os condomínios de luxo
e a intensidade dos litígios também.
Para a construção de uma sociedade mais
justa, as cidades devem crescer de modo planejado, sustentável e preservando
recursos naturais. A sociedade civil organizada é convidada a participar de
todas as instâncias democráticas que, além da moradia, garantam melhorias na saúde,
segurança, transporte, emprego e tudo o que resulta em maior qualidade de vida.