Estatuto da Cidade – reflexões necessárias
Do início da década de 1930 até o início da década de 1980 nosso país experimentou um enorme crescimento econômico que desassociado de uma organização política, econômica e social gerou um excesso de concentração de renda, um êxodo rural, a superpopulação nas metrópoles e desigualdades regionais absurdas.
Uma
tentativa de superar este quadro foi a elaboração de um dos mais importantes
capítulos da Constituição cidadã de 1988: a chamada Política Urbana, que
somente foi regulamentado em julho de 2001 com a edição da Lei nº 10.257,
denominada Estatuto da Cidade (EC). A legislação trouxe um importante
instrumento democrático: a participação popular, no entanto, na prática
observamos que, em muitos casos, ela tornou-se distorcida por manipulações e
jogos de interesse.
Além da
gestão democrática, a obrigatoriedade de elaboração de um Plano Diretor para
cidades com mais de vinte mil habitantes, o direito de superfície, o usucapião
especial, a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública e o IPTU progressivo
no tempo são itens que, se aplicados, dariam respostas concretas às diversas
distorções urbanas encontradas por todo Brasil.
Nestes onze anos de existência do EC foi difícil a integração entre técnicos,
políticos e sociedade civil, basicamente pela dificuldade de percepção que cada
um dos atores possui do seu papel e do papel dos demais. Vários municípios
possuem reduzidos quadros técnicos, incapazes de superar demandas,
desafios e dificuldades cada vez mais complexas. Alia-se a isso a falta de
continuidade quando das mudanças de governo onde interesses políticos e
econômicos suplantam os aspectos técnicos. Grupos sociais e econômicos resistem
às mudanças necessárias e optam por defender um antagonismo de ideias
pobre e vazio, no desespero de tentar desestabilizar governos, aderem a chamada
teoria do “quanto pior melhor”. Até mesmo o poder judiciário se mostra
reticente ao analisar embates jurídicos em temáticas chaves como a função
social da propriedade.
Com raríssimas exceções, nossas cidades não foram planejadas. É comum observar
grandes centros urbanos onde as ruas centrais foram construídas para a
circulação de carroças e hoje recebem um desproporcional número de carros,
caminhões e ônibus. As redes de água e esgoto antigas e ineficazes geram
desperdício em alguns bairros em detrimento a outros que sofrem com o
desabastecimento. O transporte coletivo é caro e insuficiente, parece o roteiro
de um filme onde apenas o cenário e os personagens são alterados, mas o final já
é conhecido: o caos urbano.
A falta
de políticas públicas integradas entre municípios e estados e a ausência de
distribuição dos equipamentos sociais entre as regiões metropolitanas provocam
o colapso de alguns municípios que acabam recebendo toda demanda de saúde, por
exemplo. Assim, com um orçamento previsto para os seus munícipes são obrigados
a atender o dobro da capacidade acolhendo brasileiros de outras localidades que
buscam ali o que suas cidades de origem deveriam proporcionar. Desta forma, o
que era bom, torna-se sucateado, deficiente e objeto de uma infindável série de
críticas e protestos.
Neste
mosaico devemos contemplar, também, acessibilidade, mobilidade, integração,
preservação do meio ambiente, ordenamento setorial do crescimento e definição
de locais adequados para os serviços públicos.
Desenvolvimento
urbano e crescimento econômico sem justiça social são alguns dos maiores
problemas urbanos e geram exclusão, violência e uma série de transtornos
modernos que diariamente vivenciamos.
Fazer o
que precisa ser feito é necessário e, às vezes, incompreendido. Uma tarefa
destinada aos grandes brasileiros e brasileiras que aceitam lutar pelo almejado
Brasil justo para todos.